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Tenho tentado, quase sistematicamente, não escrever nada nos dias em que eu mais sinto a necessidade de enviar uma mensagem para alguém; dizendo tudo que se passa.
Quero com isso evitar as colorações do desespero, da loucura, das vísceras... É uma forma de se proteger. Evitar se expor na hora mais vulnerável – ainda mais por aqui.
Nesses momentos eu tento escrever no meu blog.
Tento escrever justamente para não me calar; porém, mais importante do que dizer, talvez seja entender – se entender. Não completamente, não racionalmente, com teoremas e tabelas... com um quadro clínico e medicações...
Estou sempre a ruminar alguma questão.
Acho importante o silêncio, a tristeza.
Mas me incomoda o estado de coisas, a nossa condição. Me incomoda a vida como ela é vivida...
Mas, em nossa sociedade, a depressão e o mal-estar são vistos não como sintomas sociais de uma época, mas como disfunções individuais.
Sei que não devo parecer uma pessoas muito equilibrada ou mesmo sociável. Mas, talvez, isto seja apenas meia verdade – ou verdade e meia. Há uma parte que falta.
Diante da sua segunda pergunta, eu devo dizer que, em parte, sim. Passo muito tempo sozinho. Como se eu fosse um trabalhador em uma torre. Um trabalhador esquecido em uma torre, cuja o trabalho virou hábito. Não sei, talvez não seja essa a melhor das imagens.
Mas, para além do fato de eu passar muito tempo sozinho, eu também me sinto muito sozinho.
Bom, posso explicar melhor a situação contando como foi a exibição do meu último filme.
Para resumir: o filme é em parte o resultado dos dois anos de tcc, de inquietações de todo tipo e da discussão que eu venho tendo com meus amigos. Rolaram duas exibições.
Sabe, eu sempre fico esperando para ver se alguém vai chegar e dizer algo como: "cara, eu sinto o mesmo". Muito mais do que "eu concordo com tudo", é "eu também sinto isso" (porque eu sei que o filme não é exato e nem mesmo acabado.) Mas isso não acontece.
E Isso me desgasta um pouco.
Chegou um livro pelo correio essa semana. "Pele Negra, Máscaras Brancas" (Frantz Fanon). Uma obra que é uma porrada.
Ela começa assim, as primeiras linhas:
"A explosão não vai acontecer hoje. Ainda é muito cedo... ou tarde demais.
Não venho armado de verdades decisivas.
Minha consciência não é dotada de fulgurâncias essenciais. Entretanto, com toda a serenidade, penso que é bom que certas coisas sejam ditas.
Essas coisas, vou dizê-las, não gritá-las. Pois há muito tempo que o grito não faz mais parte de minha vida.
Faz tanto tempo...
Por que escrever esta obra? Ninguém a solicitou.
E muito menos aqueles a quem ela se destina.
E então? Então, calmamente, respondo que há imbecis demais neste mundo. E já que o digo, vou tentar prová-lo. Em direção a um novo humanismo...
À compreensão dos homens..."
Um amigo comparou esse trecho com meu último filme. Mas, de fato, muito disso é dito de uma outra forma no próprio corpo do filme: A necessidade de dizer algo, embora seja importante, não foi solicitada. E com isso já estamos em "terreno inimigo", em desvantagem.
("Um filme a procura de seu público?")
Acho que é por aí que se inscreve a minha solidão. É na falta de mais cúmplices; na dificuldade de ser realmente ouvido.
Gostaria de lhe mostrar meu novo filme. Farei isso em breve (e quem sabe também os filmes do meu colega).
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Por vezes, eu me sinto um completo idiota escrevendo mensagens para os outros. Como uma criança tentando se explicara, para então, não receber nada mais, nada menos do que um gesto paternal consolador. Quando isso acontece, nunca sei ao certo se isso é uma predisposição das pessoas ou se eu, em algum momento, deixo me sujeitar.
Já tive problemas muito sérios com baixa-autoestima, desenvolvi até mesmo mecanismo de auto sabotagem. (Uma máquina de pensamentos negativos que sufocam.) Então, nunca vou saber ao certo qual o peso de cada.
De certa, há também nisso um preciosismo pelos sentimentos. Um depressivo nunca quer que você diga a ele o que fazer, nunca pede uma solução. Principalmente quando ele entende que você não sabe como ele se sente.
Talvez haja certa justeza nisso. Mas, em ambos os casos, parece que um nega ao outro alguma coisa. Tanto naquele que ouve e julga, como naquele que narra e acha que o outro simplesmente não pode entender pois não sentiu.
Citando outra vez: O Ungaretti diz: "uma poesia é uma poesia quando guarda um segredo". (Certas "coisas" precisam de uma chave.) Algumas cartas permanecerão para sempre com partes indecifráveis. Sentimentos que não podem ou não puderam ser verbalizados, escritos; mas que estão lá de alguma forma.
Estava a pensar nisso e em mais algumas coisas...
É difícil a gente mudar alguém. No máximo conversamos, compartilhamos coisas, discutimos... Mas apenas a própria pessoa, sozinha consigo mesma, vai definir o que faze com os frutos desse contato, desse "assédio do mundo".
Estava pensando... tentando definir uma maneira, uma postura igualitária para se relacionar com o outro...
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Entendo. Sem falar que parece ser uma perspectiva completamente infundada, fora de qualquer pensamento histórico ou material. Eu ia falar mal dos vegetarianos, mas de maneira geral, a crítica social de hoje é quase toda uma droga. haha. Sem falar que muitas páginas são escritas e consumidas como se fossem "entretenimento crítico".
Sabe? Penso nos meus amigos Vegans de 25-30 anos... No final é tudo uma questão de o que pode e o que não pode consumir. O próprio pensamento crítico (sua produção, seu desenvolvimento) é deixado de lado em função da manutenção de um "lifestyle" minimamente compatível com o discurso esvaziado da propaganda vegan. Não estou dizendo que isso é pura perda de tempo, mas que já existe há muito tempo um consenso sobre o que é ser vegan, qual sua importância e sua "eficiência" no combate efetivo ao... "sistema" (não sei que palavra usar aqui).
Podemos conversar sobre arte. Tenho, inclusive, outro livro com um título que vai lhe chamar a atenção: Arte, inimiga do Povo. ah, e é claro, um não tão bacana chamado A greve da Arte...
Você faz teatro, cênicas? Fico com essa impressão, apesar de achar que ela muito pouco sustentável. Tenho vontade de perguntar o que você estuda. (Algumas vezes eu acho que você é mais nova do que eu, noutras que você pode ter uns 27 anos – o que faria com que eu me sentisse bobo).
É estranho. Ao mesmo que eu acho que não te reconheceria na rua se a visse, também acho que saberia dizer que uma pessoa não é você. Já te procurei na multidão do metrô diversas vezes. Mas sei que nunca te encontrei nela...
(Estava pensando... acho que vou continuar te procurando no metrô, mesmo sabendo que não vou te encontrar lá.)
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Últimas Músicas
Voices of Light - Pater Noster; música composta em 1994 para o filme O Martírio de Joana d'Arc (1928). Um dos melhores e mais intensos filmes de todos os tempos.
Não consigo mais escrever neste momento. No fundo, tenho um pouco de medo de ter dito demais e te cansar. Gostaria de perguntar muito mais.
Mas, me pergunte do filme. Prometo que lhe respondo sobre tudo o que eu puder.
(...)