quinta-feira, junho 19, 2014

De algumas folhas

Folha 1

Não gostaria de estar aqui
preso comigo mesmo
em casa
chove desde que eu acordei
no fim|da tarde
completa minha ilha


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O segredo endurecido pelo tempo

O depressivo teme que descubram
sobre seus sentimentos, sobre seus
pensamentos e atos. Ele teme o
julgamento e o castigo; seu segredo
é como um erro. É um mal,
algo errado, e por isso ruim.
Precisa ser escondido dos outros,
livrado de toda explicação.


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Folha 2

In a sentimental mood

Só me resta o silêncio da espera

O segredo da "endurance":
    não ter tempo para os
    outros.
    não precisar ter tempo para
    os outros.

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A multidão é o lugar do encontro
ela nos une, permite encontros improváveis
mas ela também nos separa

A multidão é o lugar do encontro,
mas ela não nos une apenas, ela também nos
mantêm terrivelmente distantes.
Encontro alguém, mas talvez não o consiga alcançar
Tão rápido o olhar estabelece um ponto, no
instante seguinte ele se vai foi perdido.
O encontro de olhares, que se perdem, que
se buscam, sem tempo, sem espaço.
A mulher que nos olha, e que é engolida pela
apressada e raivosa multidão, sem nunca olhar para
trás. Talvez já tenha nos esquecido, talvez nunca
tenha realmente nos notado. Um instante e tudo
está perdido, como se nunca houvesse de fato
acontecido. A multidão é um sonho que sonha
a si mesma.


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Folha 3


Eu não quero curar minha tristeza

tenho vontade de sair e ver a cidade
aqui é tudo tão...
pouco

Uma repetição que não se move

(...)

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Aqueles desesperados por amar –
estão condenados
objetos do desejo

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Por vezes
eu não percebo
que a música
parou

A música preenche
um vazio.
Quando me refugio
nela, e
o silêncio
se faz sentir.

(Mas...)

Quando os pensamentos
se ordenam
trabalhando
posso me
ouvir
melhor.


Uma garota

É difícil dizer o que mudou desde então

Não consigo dizer aquela frase, tão comum
tão fácil em outros tempos...

Mas, será que alguma vez foi?

No entanto, percebo:
algo permanece contido em mim,
com medo de se perder.

"Não é a morte,
pois os sorrisos
não mentem."

Mas há uma parede
que pouco a pouco
revela seu outro lado.

(...)

alguém que se lembra

Olhando as fotos e os nomes de alguns antigos conhecidos
eu senti falta de algo, sem saber exatamente o que era.

Dias como este me fazem sentir falta de algumas coisas.

Acho que é saudade.

Bem, é sábado e chove; um dia nublado e frio.
Me pergunto se não deveria estar junto de alguém
ou fora de casa, fazendo algo, mesmo que sozinho.
(Não há resposta.)

Um dia como este faz com que eu me sinta um esquecido.
Alguém que apenas toma conta das próprias recordações,
o último reduto de um passado que se foi.
Um guarda chinês, enterrado no deserto
para sempre a serviço do imperador.

Difícil não se sentir velho, não sentir o Tempo.

O peso de um passado morto.
Porque apenas morto ele nos
serve de fardo.

É a "pilha de nada" que nos sobra.

Mas não há nada de errado com isso.
Quero dizer, é claro que é terrível,
principalmente em dias assim
que é quando isso se faz melhor sentir;
no entanto parece ser a condição
da existência.

"O maior sofrimento de todos
é nunca ter sofrido",
diz Neruda.

Estou aqui,
não é o fim.

E isso não é nenhum pouco banal
Não posso ser indiferente
Tenho que lidar com isso.