terça-feira, março 25, 2014

A palavra

De tanto as repetir
as palavras parecem
ter perdido seu sentido.

"Me sinto sozinho"

"Estou sozinho"

Não sinto força
alguma nestas
palavras.

_______________


Mais do que apenas isto,
quando digo estas palavras
as pessoas parecem
não entender
seu significado.

______________


Eu penso em
uma palavra:
Narcisismo

Há algo que
nos impede a todos
de sentir o outro.

(...)
Já são três horas

preciso sair de casa
mas não tenho vontade alguma

abro a geladeira
e também a porta
do armário

mal consigo
pensar no que
escrever

Carta para C.; 17 de fevereiro

1

Tenho tentado, quase sistematicamente, não escrever nada nos dias em que eu mais sinto a necessidade de enviar uma mensagem para alguém; dizendo tudo que se passa.
Quero com isso evitar as colorações do desespero, da loucura, das vísceras... É uma forma de se proteger. Evitar se expor na hora mais vulnerável – ainda mais por aqui.

Nesses momentos eu tento escrever no meu blog.

Tento escrever justamente para não me calar; porém, mais importante do que dizer, talvez seja entender – se entender. Não completamente, não racionalmente, com teoremas e tabelas... com um quadro clínico e medicações...

Estou sempre a ruminar alguma questão.

Acho importante o silêncio, a tristeza.

Mas me incomoda o estado de coisas, a nossa condição. Me incomoda a vida como ela é vivida...

Mas, em nossa sociedade, a depressão e o mal-estar são vistos não como sintomas sociais de uma época, mas como disfunções individuais.

Sei que não devo parecer uma pessoas muito equilibrada ou mesmo sociável. Mas, talvez, isto seja apenas meia verdade – ou verdade e meia. Há uma parte que falta.

Diante da sua segunda pergunta, eu devo dizer que, em parte, sim. Passo muito tempo sozinho. Como se eu fosse um trabalhador em uma torre. Um trabalhador esquecido em uma torre, cuja o trabalho virou hábito. Não sei, talvez não seja essa a melhor das imagens.

Mas, para além do fato de eu passar muito tempo sozinho, eu também me sinto muito sozinho.

Bom, posso explicar melhor a situação contando como foi a exibição do meu último filme.
Para resumir: o filme é em parte o resultado dos dois anos de tcc, de inquietações de todo tipo e da discussão que eu venho tendo com meus amigos. Rolaram duas exibições.
Sabe, eu sempre fico esperando para ver se alguém vai chegar e dizer algo como: "cara, eu sinto o mesmo". Muito mais do que "eu concordo com tudo", é "eu também sinto isso" (porque eu sei que o filme não é exato e nem mesmo acabado.) Mas isso não acontece.

E Isso me desgasta um pouco.

Chegou um livro pelo correio essa semana. "Pele Negra, Máscaras Brancas" (Frantz Fanon). Uma obra que é uma porrada.

Ela começa assim, as primeiras linhas:

"A explosão não vai acontecer hoje. Ainda é muito cedo... ou tarde demais.
Não venho armado de verdades decisivas.
Minha consciência não é dotada de fulgurâncias essenciais. Entretanto, com toda a serenidade, penso que é bom que certas coisas sejam ditas.
Essas coisas, vou dizê-las, não gritá-las. Pois há muito tempo que o grito não faz mais parte de minha vida.
Faz tanto tempo...
Por que escrever esta obra? Ninguém a solicitou.
E muito menos aqueles a quem ela se destina.
E então? Então, calmamente, respondo que há imbecis demais neste mundo. E já que o digo, vou tentar prová-lo. Em direção a um novo humanismo...
À compreensão dos homens..."

Um amigo comparou esse trecho com meu último filme. Mas, de fato, muito disso é dito de uma outra forma no próprio corpo do filme: A necessidade de dizer algo, embora seja importante, não foi solicitada. E com isso já estamos em "terreno inimigo", em desvantagem.

("Um filme a procura de seu público?")

Acho que é por aí que se inscreve a minha solidão. É na falta de mais cúmplices; na dificuldade de ser realmente ouvido.

Gostaria de lhe mostrar meu novo filme. Farei isso em breve (e quem sabe também os filmes do meu colega).

2
Por vezes, eu me sinto um completo idiota escrevendo mensagens para os outros. Como uma criança tentando se explicara, para então, não receber nada mais, nada menos do que um gesto paternal consolador. Quando isso acontece, nunca sei ao certo se isso é uma predisposição das pessoas ou se eu, em algum momento, deixo me sujeitar.
Já tive problemas muito sérios com baixa-autoestima, desenvolvi até mesmo mecanismo de auto sabotagem. (Uma máquina de pensamentos negativos que sufocam.) Então, nunca vou saber ao certo qual o peso de cada. 
De certa, há também nisso um preciosismo pelos sentimentos. Um depressivo nunca quer que você diga a ele o que fazer, nunca pede uma solução. Principalmente quando ele entende que você não sabe como ele se sente.
Talvez haja certa justeza nisso. Mas, em ambos os casos, parece que um nega ao outro alguma coisa. Tanto naquele que ouve e julga, como naquele que narra e acha que o outro simplesmente não pode entender pois não sentiu.
Citando outra vez: O Ungaretti diz: "uma poesia é uma poesia quando guarda um segredo". (Certas "coisas" precisam de uma chave.) Algumas cartas permanecerão para sempre com partes indecifráveis. Sentimentos que não podem ou não puderam ser verbalizados, escritos; mas que estão lá de alguma forma. Estava a pensar nisso e em mais algumas coisas... É difícil a gente mudar alguém. No máximo conversamos, compartilhamos coisas, discutimos... Mas apenas a própria pessoa, sozinha consigo mesma, vai definir o que faze com os frutos desse contato, desse "assédio do mundo". 
Estava pensando... tentando definir uma maneira, uma postura igualitária para se relacionar com o outro...

3

Entendo. Sem falar que parece ser uma perspectiva completamente infundada, fora de qualquer pensamento histórico ou material. Eu ia falar mal dos vegetarianos, mas de maneira geral, a crítica social de hoje é quase toda uma droga. haha. Sem falar que muitas páginas são escritas e consumidas como se fossem "entretenimento crítico".
Sabe? Penso nos meus amigos Vegans de 25-30 anos... No final é tudo uma questão de o que pode e o que não pode consumir. O próprio pensamento crítico (sua produção, seu desenvolvimento) é deixado de lado em função da manutenção de um "lifestyle" minimamente compatível com o discurso esvaziado da propaganda vegan. Não estou dizendo que isso é pura perda de tempo, mas que já existe há muito tempo um consenso sobre o que é ser vegan, qual sua importância e sua "eficiência" no combate efetivo ao... "sistema" (não sei que palavra usar aqui).
Podemos conversar sobre arte. Tenho, inclusive, outro livro com um título que vai lhe chamar a atenção: Arte, inimiga do Povo. ah, e é claro, um não tão bacana chamado A greve da Arte... Você faz teatro, cênicas? Fico com essa impressão, apesar de achar que ela muito pouco sustentável. Tenho vontade de perguntar o que você estuda. (Algumas vezes eu acho que você é mais nova do que eu, noutras que você pode ter uns 27 anos – o que faria com que eu me sentisse bobo).
É estranho. Ao mesmo que eu acho que não te reconheceria na rua se a visse, também acho que saberia dizer que uma pessoa não é você. Já te procurei na multidão do metrô diversas vezes. Mas sei que nunca te encontrei nela...

(Estava pensando... acho que vou continuar te procurando no metrô, mesmo sabendo que não vou te encontrar lá.)
4
Últimas Músicas
Voices of Light - Pater Noster; música composta em 1994 para o filme O Martírio de Joana d'Arc (1928). Um dos melhores e mais intensos filmes de todos os tempos.



Não consigo mais escrever neste momento. No fundo, tenho um pouco de medo de ter dito demais e te cansar. Gostaria de perguntar muito mais. Mas, me pergunte do filme. Prometo que lhe respondo sobre tudo o que eu puder.
(...)

Uma ilha. Somos todos insulares.

Estou cansado. E não sei o que dizer; como dizer.
Algo me incomoda profundamente... Estou cansado.

É difícil não ser cínico.
Ainda não sei como não me tornei a pior pessoa possível.

Este é mais um dia como qualquer um: sem perspectiva, sem expectativa.

Ninguém me espera.
E não tenho para quem voltar.

Uma ilha.
Sem porto seguro...


___________________


"Isto" se arrasta pelas ruas...

Dias, semanas

Os segundos que não passam.


sexta-feira, março 21, 2014

as pessoas não se amam, elas apenas precisam umas das outras.
é por isso que somos todos tão dispensáveis.
acordar para a mesma vida
que você abandonou ontem

sentir que o passado
não continua
que ele lhe abandona
apenas

sentir que ainda
não há futuro

quarta-feira, março 19, 2014

Hoje, outra vez. Não sei como, de repente, estava "assim" outra vez. Eu precisava sair de casa, mas não conseguia, faltava vontade, faltava quase tudo. sentei no sofá e olhei para o teto. Sem movimento, sem conseguir me mexer. Queria ficar sozinho, queria dormir outra vez. Outra vez. Eram três da tarde.
Me encolhi ou deitei. Sei apenas que acabei dormindo e que não sai de casa.

segunda-feira, março 10, 2014

De uma entrevista

(...)

–Foi muito legal. Obrigado por compartilhar essas coisas comigo. Fico grato.

–É, bom, quem melhor para compartilhar isso do que um completo estranho?

Entrevista com um fotógrafo

domingo, março 09, 2014

Vagando 3 _ Para um amigo, para um estranho

Certa vez eu sai de manhã
queria apenas andar por aí

Coloquei uma roupa velha e saí de casa
tênis e jaqueta.

passei no mercado e comprei o vinho mais barato
uma garrafa

estava pronto

eram 7 horas
talvez 8

as ruas estavam todas vazias
exceto pelas principais

as ruelas e ruas residências
como vilas
que me atiravam nas avenidas movimentadas
os ônibus passavam tão rápido que tudo se movia
Eu sentia os asfalto tremer

era também a bebida

andei sem saber por onde ia,
mas sem nunca conseguir me perder totalmente
acho que eu era incapaz

eu vi a cinemateca
andei pela sena madureira
subi a rua onde dei meu primeiro beijo
via a placa onde me detive com naquele mesmo dia

e então,
me sentei em uma mureta
um pé de escada
bêbado
observando quem passava

sou um completo estranho

pensei em voltar,
mas já estava muito longe
teria de andar,
não importa para onde
em frente
ou de volta.

continuei.

minha vida toda
em um bairro.

Cheguei até a avenida paulista
o centro espúrio da cidade

desumano e movimentado

a garrafa não aguentou muito mais
por vezes achei que eu fosse vomitar

mas andei, sem ser notado
bêbado e suado

não me senti mal
melancólico e vivo
talvez

caminhei
sem procurar nada
além do esquecimento

ruas e pessoas em tudo iguais
todos os dias
não escapo à isso

mas não nesse dia.
uma aventura fraca, é verdade
mas tão cheia de liberdade quanto a ideia de um suicídio
encontrar alguma força, talvez apenas a sua potência,
em um ato tão fraco, tão débil
e que no entanto ordena algo
devolve um ponto de autonomia

Eu entendo quem sai andando por aí e desaparece
para ser apenas encontrado morto, dias depois.
ou para não ser encontrado.
Eles viram seu lugar na cidade,
e o desespero virou certeza.

Há certa calma nisso.

Não posso dizer se é um erro
ou uma fraqueza diante da ideia.

Apenas compreendo.

No final de toda a Avenida Paulista
há uma ponte, um viaduto
você pode olhar os carros lá de cima
É como o fim do caminho.

Alguns o encontram,
outros voltam.
Certos de que podem voltar ali
a qualquer momento.

Eu apenas fiquei ali parado
sem nenhum tipo de pensamento.

A norte daquele ponto
vivia uma amiga,
uma faculdade que eu frequentei.

Era apenas um ponto.

Mas não pude deixar de pensar.

Ali mesmo, 6 anos atrás,
estava eu parado
sozinho
no dia em que tentei escapar à solidão
inventando um encontro de amigos
mas pensando apenas em uma garota.
Dia dos namorados –
eu me lembro.

Dei meia volta.
A manhã já estava avançada.
Precisava voltar
Estava sem cigarros
e sem bebida.
Estava sem nada
"Purificado"

voltei de metrô.
já era meio dia.

Ninguém havia notado minha ausência.


Naquele dia ouvia
a mesma música
sem parar:

Into My Arms (Nick Cave and The Bad Seeds)

ácido

Diante da fogueira


A realidade
é a matéria
esculpida pelo fogo.


Pequenos olhos de gatos
subiam aos céus
[como] fagulhas

mensagem (incompleta) para C.

Os anos passam e eu não sei se envelheço ou se fico mais jovem.
Quando a gente passa muito tempo sozinho, uma certa forma de pureza se conservar, mas também uma forma de despertencimento, muito mais forte e abrangente, toma conta.

A inocência se vai aos poucos, dando lugar à uma rigidez fria da alma; uma torre de marfim nos oculta do mundo. Não totalmente, ainda podemos ver e sentir, mas com menos intensidade.

Quanto à mim, o fogo permanece; o sentimento de revolta ainda vive, mas já com alguma melancolia.

Talvez eu seja um jovem velho, com medo de viver; talvez apenas alguém triste, esperando ... por algo ou por alguém.

Mas é certo que... [não sei.]
Está tão frio aqui

um arrepio me percorre o corpo todo

que triste não ter para onde gritar

...
O sono me chama como a morte

quero fechar os olhos
e esquecer

mas preciso ainda ficar acordado

a viajem, a viajem

o ônibus nos levará a todos

para longe daqui
Devo ir embora
não sei

quero esquecer 
parar de pensar 
um instante que seja

a noite acabou
finalmente

a atravessei

sobrevivi aos 
meus pensamentos 


um ataque

os ventos sopraram
terríveis visões
a chuva dilacerou-me
a alma


a verdade
é que toda uma noite
sozinho
me deixa vulnerável
contra meus próprios pensamentos

eu devo fugir
de mim mesmo


preciso fazer as malas
comprar cigarro
tomar café

"pego as malas e entro no ônibus"

"sem nunca olhar para trás novamente"

(Todos nós já vimos isso antes...)

mensagem não enviada para C.

Enquanto eu pensava no que lhe responder, minha cabeça foi mais longe, e por algum motivo, me perdi. Uma frase surgiu, dizendo: "certas pessoas não tem tempo para as outras".

Meu amigo diz que gosta dos encontros ao acaso, que surgem e se vão, marcando apenas aquele instante. Postos de conveniência lhe agradam, assim como aeroportos. São lugares de passagem. Você pode conhecer gente de diferentes tipos sem precisar criar vínculos.  Conversa e logo se despede. É quase um passatempo até a hora de ir, então não há qualquer tipo de incômodo em abordar ou ser abordado por estranhos.

Por outro lado, há aqueles que estão sempre a procurar alguém, sem nunca encontrar. O mundo parece um deserto. "É sempre noite, sempre frio".

No entanto, esses dois tipos são mais próximos do que aparentam: eles estão sempre sós.