dor
isto é sobre a dor.
mal consigo pensar.
sinto sono e sinto minha cabeça pesada
tento ouvir o que eles dizem na entrevista
e tento formular algo sobre Dor.
me sinto esvaziado
meu corpo é como um corpo velho
com juntas e articulações que não querem se mexer
minha expressão é a da fome
da loucura e do desespero
mas também da desolação e do vazio
meus olhos não dizem coisa alguma
fechando e abrindo vagarosamente
para não se desgastarem
meus dedos pesados e rígidos
trabalham como peças de uma máquina
que já não vale muito
meus dedos são as engrenagens do tempo
arrastando-se através da ferrugem
rachados e mal conservados
mas assim mesmo implacáveis
e intermináveis
uma estátua com força de vontade
minhas mãos coçam
o gosto amargo
a boca seca
a sede e a fome
e essa televisão maldita
que nunca se cala?
o suor do rosto
o tempo quente
baixa umidade
a raiva
uma explosão de raiva
a cólera última
o estrondo derradeiro
a mudança da expressão para algo
além do nada
que condição miserável!
abandonado por todos
encerrado em um corpo
eu os odeio!
eu os odeio...
indiferentes ao amor ou ao ódio
vocês não são mais humanos
piores que esta criatura
eu, a criatura
o inseto
o fantasma
a estátua de pedro fria
com fogo nos olhos
com incêndios na alma
com a raiva que consome
os mais ínfimos pensamentos
transbordando por entre os punhos fechados
como uma taça
o som da mesa
a descarga de forças
o sinal de vida
estou vivo, estou aqui
sinto tudo, de uma vez
sinto meu corpo se mexer
meus olhos se apertam
os dentes apertam a boca
os músculos se contraem
é o fim do silêncio
é tudo que me resta
a raiva
o ódio
a recusa violenta desta situação
o gosto azedo que sobe à boca
os dentes
os olhos
são todos um só
um corpo
um alguma coisa
A DOR
A DOR DE ESTAR AQUI
SENTIR TODA ESSA RAIVA ARREBENTANDO O PRÓPRIO CORPO
as asas que nunca vem
a gaiola que se funde ao corpo
a ferrugem e a feiura
a impossibilidade
O que é tudo isso?
o que é essa condição miserável?
mal consigo dizê-lo sem explodir mentalmente em raiva e angústia
linhas e mais linhas de frases ininteligíveis
e a DOR
A VONTADE DA DOR
o buraco gigantesco na alma
a lágrima negada
que dor horrível, meu deus
o peso de todo o mal do mundo
do mal-estar infinito
contido em algumas horas da madrugada
até isto é inútil
primeiro raiva e depois aceitação
depois a melancolia silenciosa
depois o Sim para a Morte
os segundos gritantes que passam deixando marcas
por favor, por favor
me liberte deste mundo solitário
desta existência encerrada em si mesma
desta prisão de ferrugem da alma
o que está feito está feito
o dano causado permanecerá até o fim dos meus dias.
mas ele não para de se agravar.
a vida se encerra em um sobreviver a si mesmo
em administrar a dor, a loucura, a desolação,
a solidão e a raiva.
todas as forças são gastas dessa forma
não restando mais nada para ser empregado
em algo positivo
em algo construtivo.
lutar com a dor
e a dor nunca tem fim.
e tudo que vocês são capazes de me oferecer é mais dor.
talvez daqui a cinco anos eu não sinta mais nada.
viverei catatônico e indiferente
Da Maneira Como Vocês Me Pedem.