sábado, março 30, 2013

Carta para A.; sábado, ‎19‎ de ‎janeiro‎ de ‎2013


queria poder ter ao menos um breve lampejo sobre o que se passa nos teus pensamentos, Annie. vi você online, mas tive dúvidas se devia, mais uma vez, tentar puxar conversa; perguntar inocentemente "está acordada?"

damaris me disse que sou complexado. mesmo que eu seja, acho que essa fala não ajuda muito. Bom, já me disseram coisas piores – mas "sobre mim, eles não te dirão nada pior do que as coisas que eu posso lhe contar" (neruda)

não sei o que dizer. talvez se eu perguntar mais alguma coisa, você me diga algo tão pesado que me fará ficar quieto pra sempre. não queria isso. mas ao mesmo tempo, queria poder ouvir algo mais. mas estou aqui também. estou aqui nessa noite sem fim. Alguns nasceram para as noites sem fim (blake). posso aceitar isso.  e como diz a canção:

Nossa vida é uma viagem
No inverno e na noite,
Buscamos nossa passagem
No céu em que nada luz.


desculpe por lhe dizer isso tudo. parece até  algo desnecessário. quem saberia dizer? tento guardar alguns pensamentos – pra evitar julgamentos, dores e palavras de quem quer resolver tudo de maneira fácil. devo ter esse defeito de me importar demais e de querer ser muito sincero às vezes. não sei. E tampouco sei se irá dizer que faço muito drama. (Acho que pouco conversamos pra que qualquer coisa seja afirmada – nem eu posso afirmar nada.) mas a verdade é que fico incomodado, chateado, e etc. , por não conseguir de ti mais do que uma ou duas frases. e eu nem sei bem dizer o porquê disso.
como disse pra uma amiga, estou cansado, batido, mas não quero ser indiferente, anestesiado. não aceito essa vida ruim; sendo que cada momento que avança me deixa com menos "lugares" para onde ir. Talvez, no fundo, eu crie muitas expectativas pra tão somente ser desiludido depois.

Me perdoe por cada uma dessas palavras, mas eu queria verdadeiramente atravessar essa "barreira de silêncio". Prefiro que me diga que sou um sujeitinho irritante do que ter de carregar essa dúvida toda.

...

enfim, diga o que tiver que dizer – se quiser.

segunda-feira, março 25, 2013

Sorrow's Child


Próximo está 
E difícil de ser apreendido é o Deus, 
Mas, onde há perigo, cresce também 
O que salva. 
Na escuridão moram as águias, 
E sem medo caminham os 
Filhos dos Alpes por sobre o abismo 
E sobre pontes leves. 

Hölderlin






http://www.youtube.com/watch?v=04XZoknUPu4




River, rio.

O movimento incessante do tempo – o continuum do espaço-tempo, que não espera e que não retrocede.

Nada permanece puramente inalterado no decurso do tempo.


Contudo, há estados de espírito que nos intuem a pensar que tudo se move, menos nós mesmos – estaríamos fora do jogo, segundo essa percepção; suspensos do processo que é a vida.


mas é preciso ter em mente que até mesmo a tristeza mais profunda, aquela que nos encerra em outro tempo e espaço, alçados para fora da realidade, onde "apenas assistimos" passar o filme da vida, ela também se modifica com tempo; assumindo novas formas e novas sutilezas.


Sorrow's child grieves not what has passed
But all the past still yet to come

A repetição não deve ser entendida como o retorno do mesmo, mas, antes, como uma abertura, como a possibilidade para um novo desfecho.
Não podemos sentir duas vezes a mesma dor, mas não podemos nos tornar indiferentes às suas novas formas.
Um duplo da coisa não é nunca a coisa. Mudamos nós, muda a coisa.
Acreditar na repetição como um processo puro, é se perceber como um morto, impotente diante de um destino certo.

Por outro lado, buscar a coisa perdida, é também viver em ressentimento.


Nossos sonhos não devem ser nossas memórias.

segunda-feira, março 18, 2013

Nós, os mal-aventurados


"Science avec patience"



Que tempos estranhos são estes?
Aquele mesmo vazio – acho que ele já é uma parte minha
um parte que, faltando, se transformou em espaço.
Quando percebo, estou nele outra vez.
Como se tudo o mais fosse em vão.
Mas eu sei que não o é.
E Camille, Annie, elas estavam lá, aquilo tudo aconteceu.
Mas não foi minha falta se tudo acabou.
Alguma parte.
Mais uma vez é preciso dizer: não existe aquela pessoa,
ou aquele circulo de pessoas nos aguardando.
Esse é o grande ressentimento do nosso tempo.
Acredita-se nisso como se fosse um filme; é patético.
Posso dizer que fui a outros lugares,
e não encontrei nada que não conhecesse.
Já caminhei muito – engana-se quem pense que não.
Muito vi, muito conheci, e mais: muito conversei.
E nas linhas da desolação, nos abismo do tédio
Eu vi a nossa geração passar como quem troca de canal
Os mesmos daqui são os que caminham nas ruas,
Conhecia-os antes mesmo de os tocar.
Sua irrealidade é da mesma substância
Tão insossa quanto, e igualmente miserável.
Mas devo me incluir a eles?
Denunciá-los é esquecer-se de mim mesmo?
Há algo que nos liga a todos, mas há algo em ponto de ruptura.
Aqueles que me viram alto pelas ruas devem saber,
Minhas visões não são mortas,
memórias e sonhos
Ainda, devo dizer, estou cansado,
Verdadeiramente batido e com forças reduzidas
O mundo nos embrutece e nos tolhe a todos.
É impraticável uma vida que não se aprenda a se proteger
do sofrimento de toda esta deterioração
Aprendemos a nos proteger, aprendemos a ser indiferentes.
Mas não podemos nos entregar.
Difícil é imaginar beleza neste mundo horrível,
mas por que contribuir cinicamente com esta miséria?
Para não morrermos nos entregamos à morte em vida.
Que paradoxo estúpido e burro.
Por isso nos odiamos e nos estranhamos uns aos outros em toda parte
Deixamos de viver e procurando vida
dificilmente a encontraremos neste estado que é o nosso.
É preciso não se conformar cinicamente.
Odeio aqueles que assim se colocam de tão bom grado.
Resisto, mas não posso gastar toda uma vida assim
é preciso avançar, é preciso de cumplicidade
Que terrível busca
Envelheci muito em 4 anos
Calejado pelo tempo, já não somos tão sensíveis à vida
Algumas experiências não nos aprazem tanto
Outras perderam momentaneamente o significado
Seguirei, porém, neste caminho
Sem rumo e sem coordenadas
Já não sei aonde me dirijo – se é que me dirijo para algum lugar
As perspectivas são escassas; a situação é catastrófica
Mas não é grave.
Escrevo, contudo.
Minha impertinência ainda me levará a algum lugar.
Isto não deve ser dito com esperança,
mas apenas com alguma lógica.


"E, ao amanhecer, armados de uma ardente paciência, adentraremos na cidade esplêndida"

sexta-feira, março 15, 2013

“la suite était déjá contenu dans le commencement de ce voyage”.

"Não se cale porque estou diante de ti como um estrangeiro e um viajante.
Conceda-me algum repouso antes que eu parta e não esteja mais aqui."

sábado, março 09, 2013

exercício


Há um escritor romeno, o Cioran, que diz: usar palavras é sempre uma loucura – qualquer uma delas.

é como se ele dissesse que tentar se expressar (com palavras) é sempre um ato arriscado. É loucura tentar se fazer entender – será isso que ele quer dizer ?

é uma interpretação minha, é a forma como leio.

Li a seguinte frase há pouco:

"Pour savoir écrire, il faut avoir lu, et pour savoir lire, il faut savoir vivre." (Debord)

Para se saber escrever, é preciso saber ler; e para saber ler é preciso saber viver.

Uma possível análise dessa frase nos diria que a vivência, a nossa, é significante – isto é, ela é criadora de significados. Nossa experiência nos dá, em certo aspecto, sentidos de como ler um "texto".

Quando Cioran diz que tentar se expressar é uma loucura, lembro dos textos que escrevi para tentar me explicar para alguém, lembro desses "atos". Se explicar, se fazer entender, dar sentido... Mas é como se a cada nova palavra, cada nova linha, você causasse apenas mais ruídos; como se as palavras nos traíssem. Isso não é um pouco angustiante ?

Quando em alguns desses atos, você se eviscera diante da pessoas para tão somente sentir que fostes mal compreendido, que foi em vão... não é terrível ? E, então, pensamos pelos outros:  "ao lhe verem fraco, pensarão que você é fraco". E, com certa vergonha, nos recolhemos novamente para o interior da torre; cada vez mais ao alto.