domingo, março 09, 2014

Vagando 3 _ Para um amigo, para um estranho

Certa vez eu sai de manhã
queria apenas andar por aí

Coloquei uma roupa velha e saí de casa
tênis e jaqueta.

passei no mercado e comprei o vinho mais barato
uma garrafa

estava pronto

eram 7 horas
talvez 8

as ruas estavam todas vazias
exceto pelas principais

as ruelas e ruas residências
como vilas
que me atiravam nas avenidas movimentadas
os ônibus passavam tão rápido que tudo se movia
Eu sentia os asfalto tremer

era também a bebida

andei sem saber por onde ia,
mas sem nunca conseguir me perder totalmente
acho que eu era incapaz

eu vi a cinemateca
andei pela sena madureira
subi a rua onde dei meu primeiro beijo
via a placa onde me detive com naquele mesmo dia

e então,
me sentei em uma mureta
um pé de escada
bêbado
observando quem passava

sou um completo estranho

pensei em voltar,
mas já estava muito longe
teria de andar,
não importa para onde
em frente
ou de volta.

continuei.

minha vida toda
em um bairro.

Cheguei até a avenida paulista
o centro espúrio da cidade

desumano e movimentado

a garrafa não aguentou muito mais
por vezes achei que eu fosse vomitar

mas andei, sem ser notado
bêbado e suado

não me senti mal
melancólico e vivo
talvez

caminhei
sem procurar nada
além do esquecimento

ruas e pessoas em tudo iguais
todos os dias
não escapo à isso

mas não nesse dia.
uma aventura fraca, é verdade
mas tão cheia de liberdade quanto a ideia de um suicídio
encontrar alguma força, talvez apenas a sua potência,
em um ato tão fraco, tão débil
e que no entanto ordena algo
devolve um ponto de autonomia

Eu entendo quem sai andando por aí e desaparece
para ser apenas encontrado morto, dias depois.
ou para não ser encontrado.
Eles viram seu lugar na cidade,
e o desespero virou certeza.

Há certa calma nisso.

Não posso dizer se é um erro
ou uma fraqueza diante da ideia.

Apenas compreendo.

No final de toda a Avenida Paulista
há uma ponte, um viaduto
você pode olhar os carros lá de cima
É como o fim do caminho.

Alguns o encontram,
outros voltam.
Certos de que podem voltar ali
a qualquer momento.

Eu apenas fiquei ali parado
sem nenhum tipo de pensamento.

A norte daquele ponto
vivia uma amiga,
uma faculdade que eu frequentei.

Era apenas um ponto.

Mas não pude deixar de pensar.

Ali mesmo, 6 anos atrás,
estava eu parado
sozinho
no dia em que tentei escapar à solidão
inventando um encontro de amigos
mas pensando apenas em uma garota.
Dia dos namorados –
eu me lembro.

Dei meia volta.
A manhã já estava avançada.
Precisava voltar
Estava sem cigarros
e sem bebida.
Estava sem nada
"Purificado"

voltei de metrô.
já era meio dia.

Ninguém havia notado minha ausência.


Naquele dia ouvia
a mesma música
sem parar:

Into My Arms (Nick Cave and The Bad Seeds)

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