quinta-feira, dezembro 19, 2013

Rascunhos e Notas sobre A Indiferença

De súbito
vem a perda,
a perda de interesse
em se comunicar.

Após algum tempo
me pergunto:
qual o ponto?
qual o meu interesse?

Perda de interesse
geral nas pessoas,
nos outros.

Mais do que isso:
o absurdo de
toda a ação
se revela
de súbito.

Ela não se mostra inútil,
mas absurda;
Toda essa gente
incapaz de uma simples troca.




Mensagem para M. :

Muitas vezes – em meio a uma mensagem – sinto, de súbito,
a perda completa da vontade de completar as palavras,
de dizer, de enviar a mensagem para a pessoa.
às vezes, se eu procuro alguém para conversar, ocorre o mesmo.
procuro, procuro, e então, vem essa não-vontade, e eu largo tudo.
vou embora sem dizer nada
Sinto como que seja uma perda de interesse nas pessoas em geral.


Resposta de M:

"O inferno são os outros"
"Os outros somos nós"



1
Sempre gostei de conhecer gente nova, mas tem se tornado tão difícil, tão desgastante.
Muitas pessoas são incapazes de se abrir para o acaso, elas mantêm uma proteção, como se não deixassem nunca seus próprios quartos. Sair na rua e um estranho lhe dirigir a palavra pode ser bastante incomodo nesses casos – ou alguém que lhe senta ao lado no ônibus ou no metrô é o inferno. O jovem médio lhe dirá isso. Mas, mesmo que ele não diga, é algo bastante evidente.

2
As únicas pessoas que, sem segundas intenções, conversam com estranhos na rua são os "loucos" e os idosos. E eles sempre falam de si mesmos e do mundo. Daquilo que eles fazem e do seu lugar no mundo. Eles dizem onde moram, sobre a dificuldade de dormir à noite, sobre a defasagem entre as suas ideias e aquilo que mundo oferece, isto é, falam sempre sobre a decadência geral que tomou conta do mundo: Eles possuem um método matemático melhor, o ensino é ruim, a moral decaiu e assim por diante. Em suma, eles falam sobre viver à margem – qualquer que ela seja. Eles falam sobre a sua relação com o mundo.

3
Um morador de rua, dentro de um ônibus, me contou sobre pegar latas para vender e ser expulso de onde dormia.
Uma senhora, em um ponto de ônibus, me contou sobre ser vigiada pela TV e sobre o agiota que a ameaçou de morte após ela o ter denunciado.
Um senhor, no caminho para o metrô, me contou sobre a decadência do "ensino pela memória" e sobre ter descoberto métodos matemáticos que as empresas americanas não quer que saibamos.
Alguém poderá dizer que eles vivem em "outra realidade", fora de uma "normalidade" pequeno burguesa, talvez isso explique um pouco essa necessidade que eles eles têm por contato humano, por se expressar.
Não sei dizer. Em um mundo de relações virtuais, eles ainda são capazes de valorizar o encontro fortuito, a presença de alguém. Em um desses sites de relacionamentos, onde todos estão virtualmente disponíveis 24 horas por dia, a presença e o encontro perdem importância. A qualquer hora somos acessíveis. É algo trivial; banal.

4
Alguns jovens que encontrei eram incapazes de falar de outra coisa que não fosse sobre eles mesmos. E suas palavras correm sem parar de suas bocas, tediosamente, copiosamente... De fato, eles poderiam estar ali falando sozinhos, a presença de alguém não se faz necessárias, pois não é uma conversa, não é uma troca. Eles não escutam, eles interrompem. Tudo volta a eles. O que posso dizer?

5
"Todo mundo é filho da puta, a menos que se prove o contrário". Ouvi isso de uma colega uma vez. É a demarcação perfeita da sensibilidade de um jovem médio: "As pessoas são mesquinhas, egoístas, mentirosas", "cheias de segundas intenções, querem se aproveitar facilmente dos outros e cair fora"; "O mundo é hostil e devemos nos fechar para não sofrermos", se "desapegar" das relações; "Pois tudo passa, até as dores". É a posição da indiferença. A "sensibilidade" da indiferença.
Você deve sempre dar a prova, convencer de que é digno de alguma atenção. Caso contrário, você é mais um babaca. "Vou abrir algumas vagas para quem quiser ser meu amigo, um reality show seria perfeito".

6
Após algum tempo, após tantos golpes, experiências ruins desilusões, é compreensível que muitos se fechem, cerceiem seus sentimentos e procurem apenas o contato mínimo, a dor mínima. Mas, isto não é de modo algum aceitável. Essa pessoas se tornam aquilo que elas mais detestam, aquilo que elas procuram evitar. São a realização da ideia do Outro que só machuca, indiferente para com os sentimentos dos outros. Incapazes de amar.

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